terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A ÚLTIMA LUTA DO COLISEU ROMANO: HISTÓRIA E REFLEXÃO.

Adaptada da versão de Charlote Yonge
Narrada por William Bennett
e transcrito na íntegra por Carlos Augusto Lopes

O maior e mais famoso anfiteatro da antiguidade é o Coliseu, construído por Vespasiano e seu filho Tito num vale cercado pelas setes colinas de Roma. As paredes são tão sólidas e erguidas com técnica tão admirável que ainda hoje, após tantos séculos, é um dos mais belos monumentos de Roma. As arquibancadas que circundam a arena oval tinham capacidade para cinqüenta mil espectadores.

Ali os romanos assistiam ao esporte, que se iniciava com um gesto do Imperador. Ás vezes o espetáculo começava com um elefante dançarino, ou com um leão portando uma coroa cravejada de pedras preciosas presas á cabeça, um colar de diamantes ao pescoço, a juba banhada em ouro e as patas douradas, fazendo cabriolas com uma pequena lebre a dançar sem temor entre suas garras. Às vezes enchiam a arena de água e um barco soltava toda espécie de animais, que saíam nadando em todas as direções. Ás vezes o chão se abria e surgiam árvores, como por encanto, carregadas de frutos de ouro.

Mas eram apenas as aberturas dos espetáculos, pois o coliseu não tinha sido construído para esses passatempos inocentes. Os valentes romanos queriam divertimento mais forte, mais excitante. As portas dos calabouços em torno da arena se abriam, soltando diversos animais selvagens, tigres, rinocerontes, touros e leões, leopardos, ursos, e as pessoas assistiam com feroz curiosidade aos vários tipos de ataque e defesa, admirando os urros e rugidos das nobres criaturas.

A gente imagina que animais selvagens se despedaçando e devorando-se uns aos outros deve satisfazer qualquer tendência ao horror, mas os espectadores exigiam adversários mais nobres para enfrentar as feras. Traziam homens em armadura que lutavam com coragem e, geralmente, com sucesso. Ou caçadores praticamente desarmados que obtinham a vitória por meio de agilidade e destreza, jogando uma rede sobre o leão, por exemplo, ou enfiando o punho até o fundo da garganta da fera.
Mas além da coragem e da esperteza, os romanos gostavam de ver a morte, e os criminosos e desertores eram condenados a enfrentar de mãos vazias os leões, saciando a população com vários tipos de morte. Entre esses condenados, muitos foram mártires cristãos, que confessavam sua fé diante dos olhares selvagens da platéia antes de enfrentar a juba sangrenta do leão com uma tranqüilidade que a multidão era incapaz de compreender.

O espetáculo da morte de um cristão imóvel, de olhos erguidos para o céu, era o mais estranho oferecido no Coliseu e, portanto, reservado para o final.

As carcaças eram retiradas com ganchos, a arena ensangüentada era coberta com uma nova camada de areia, borrifava-se uma camada de perfume forte e uma procissão entrava na arena, homens altos, bem-constituídos, no auge da força. Alguns levavam uma espada e um laço, outros um tridente e uma rede; alguns vinham com uma armadura leve, outros totalmente equipados, como soldados; alguns a cavalo, alguns de charrete, alguns a pé.

A procissão atravessava a arena, postava-se diante do imperador e, a uma só voz, gritavam a saudação que ecoava pelo estádio: Ave César! Os que vão morrer te saúdam! Eram os gladiadores homens treinados para lutar até a morte a fim de divertir a população. Havia todo tipo de luta o soldado em meia armadura contra o homem com a rede, o laço contra a lança, todas as combinações em duplas e ás vezes um entrevero generalizado. Quando um gladiador derrubava o adversário, olhava para o imperador, aguardando o sinal para matar ou poupar o perdedor.
Se o imperador levantava o polegar, a vida do vencido era poupada; o polegar virado para baixo significava a morte. Nesse caso, se o derrotado relutava em apresentar a garganta para o golpe fatal, a multidão gritava, estimulando-o a “receber o aço!”. Entretanto, com o passar do tempo, o cristianismo foi se impondo como religião, adotada até pelo imperador.

A perseguição terminou e acabaram-se os mártires para servir de alimento ás feras do Coliseu. Os imperadores cristãos se empenhavam em acabar com os espetáculos de crueldade e morte, mas os costumes prevaleceram até contra a vontade do imperador. As lutas no Coliseu continuaram ainda por cem anos depois que Roma se tornou, pelo menos nominalmente, uma cidade cristã.

Enquanto isso, os inimigos de Roma se aproximavam cada vez mais. Alarico, chefe dos Godos, tinha conduzido seu exército Á Itália e ameaçava invadir a própria cidade. Honório, o imperador, era um rapaz covarde e um tanto idiota, mas o general Stilicho reuniu os exércitos para enfrentar os Godos e os derrotou na Páscoa do ano 403. Perseguiu-os até as montanhas e, por essa vez, salvou Roma.

Na comemoração da vitória, o senado propôs que o imperador e o general entrassem em triunfo na cidade na abertura do ano-novo, montados em corcéis brancos, vestidos com mantos púrpura e com as faces rubras de ruge, como mandava a tradição. Em vez de templos pagãos, visitaram a igreja, e os prisioneiros não foram sacrificados. Mas a sede de sangue romana não tinha se esgotado e, depois da procissão começou o espetáculo no Coliseu, a princípio com inocentes corridas a pé, a cavalo, de charrete.

A seguir uma caça ás feras tomou a arena, e depois uma dança de espadas. Mas depois da dança os espadachins se puseram em formação com espadas e lanças afiadas para um verdadeiro combate de gladiadores. O povo aplaudiu com entusiasmo. De repente, porém, houve uma interrupção. Um homem malvestido, descalços, pulou na arena e, tentando tirar os gladiadores, começou a gritar para a platéia que cessasse de derramar sangue inocentes, que não abusassem da misericórdia divina, evitando a espada do inimigo e não incentivando o assassinato.
Gritos, berros, impropérios acolheram suas palavras. Ali não era lugar para sermões os antigos costumes de Roma deviam ser observados “ Fora”, “Em frente, gladiadores”. Os gladiadores empurraram o intrometido para um lado e partiram para o ataque. Mas ele continuava a tentar impedir a luta, tentando aparta-los, tentando em vão se fazer ouvir. Os gritos do povo aumentavam. “ Agitador!” Agitador!” “ Acabem com ele!”. Enraivecidos com a interferência, os gladiadores o derrubaram. Uma chuva de pedras, ou o que quer que estivessem á mão, se abateu sobre o homem, e ele morreu no meio da arena. Então o povo começou a refletir sobre o que tinha feito.

As roupas do pobre homem mostravam que era um religioso cuja a vida era dedicada á oração e ao sacrifício, e por isso era reverenciado até pelos mais levianos. Os poucos que o conheciam disseram que ele tinha vindo de remotas regiões da Ásia em peregrinação aos relicários. Sabiam que era um homem santo nada mais.

Mas seu espírito se insurgiu á vista de milhares se reunindo para ver homens se massacrarem, e, na candura de seu coração, resolveu impedir a crueldade ainda que lhe custasse a vida.

Morreu, mas não foi em vão. A missão foi cumprida. O choque daquela morte diante de seus olhos tocou o coração das pessoas; foram capazes de ver a maldade em que cegamente consentiam. Desde o dia em que o santo homem morreu na arena, não houve mais lutas de gladiadores. O costume foi abolido, e pelo menos um crime habitual foi varrido da terra pela devoção de um homem obscuro, humilde, anônimo.

Pastor Carlos Augusto Lopes
Teólogo