sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

BEM - AVENTURADOS OS HUMILDES DE ESPÍRITO - MATEUS 5.1-12

Muitos dos que viram os milagres que o Senhor Jesus realizou convenceram-se de que ele era, realmente, o Rei que Deus havia prometido, que reinaria sobre a nação de Israel. Por isso lhe fizeram uma pergunta de suprema importância: "Somos suficientemente justos para entrar no teu reino?" Sabiam muito bem que o Antigo Testamento exigia justiça como base da aceitação de Deus; conheciam bem a declaração do salmista de que só os limpos de mãos e puros de coração poderiam estar na presença do Rei. Vieram, pois, para informar-se acerca da justiça que Jesus exigia para entrada em seu reino.

Nosso Senhor escandalizou a multidão que se compunha de devotos dos fariseus e com zelo buscava a justiça por eles ensinada, ao dizer-lhes: "Se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus" (5:20). Se a justiça dos fariseus, que requeria rígida observância de 365 proibições e de 250 mandamentos, não era suficiente para introduzir os homens no reino do Messias, que tipo de justiça seria necessária?


O Sermão da Montanha expunha a santidade divina e as exigências de um Deus santo. Descreve o tipo de justiça que Deus espera dos que venham a conhecê-lo pela fé. Nessa parte do sermão, muito conhecida, amada e freqüentemente citada ― mas pouco compreendida ― que denominamos as Bem-aventuranças, nosso Senhor descreveu as características da pessoa justa e lançou os fundamentos de uma vida feliz. Mostrou o que caracteriza os que foram justificados pela fé na promessa de Deus. Também nos deu a base sobre a qual Deus dispensa suas bênçãos aos que o recebem como Salvador pessoal. Bem podemos denominar as Bem-aventuranças de "Fundamentos de uma vida feliz".

A primeira Bem-aventurança do Senhor está em Mateus 5:3: "Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus." Só Deus é bem-aventurado. Ele é digno de receber bênção em virtude de sua santidade absoluta, inalterável. Quem foi abençoado por Deus é, deveras, feliz; a palavra traduzida por "bem-aventurado" nesta passagem bíblica seria mais bem traduzida por "feliz". Só Deus é digno de ser chamado bem-aventurado ou bendito por aquilo que ele é em seu caráter; mas Deus pode dispensar bênçãos ao homem. A pessoa que recebe bênçãos de Deus é, em verdade, um indivíduo feliz.

Freqüentemente se emprega a palavra "feliz" ou "bem-aventurado" no Novo Testamento para descrever a condição daqueles a quem Deus abençoa. Em João 13:17, ao concluir a primeira das grandes lições aos discípulos, ministrada no cenáculo pouco antes de sua morte, o Senhor voltou-se e disse: "Ora, se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes."

Em João 20:29 o Senhor emprega a mesma palavra ao dirigir-se a Tome: "Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram, e creram." Aquele que crê é verdadeiramente feliz.

Em sua primeira carta a Timóteo, Paulo emprega a mesma palavra, agora traduzida por "bendito": "Segundo o evangelho da glória do Deus bendito, do qual fui encarregado" (1:11). Aqui o apóstolo fala do contentamento que pertence a Deus em virtude de ser ele quem é. A infelicidade não se encontra em Deus. Visto que se trata de um Deus feliz, ele confere sua felicidade aos que crêem nele.

Também em Tito 2:13, falando da vinda de Cristo, o apóstolo diz: "Aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus." É uma esperança que traz felicidade ao crente.

A palavra feliz, usada entre os gregos, em sua origem descrevia a condição dos deuses gregos que se supunha viverem satisfeitos, ou contentes, porque tinham tudo quanto desejassem e eram livres para gozar de tudo o que possuíam, sem restrições. Para a mentalidade grega, a felicidade relacionava-se com as posses materiais e com a liberdade de desfrutá-las. A felicidade deles tinha que ver com a gratificação irrestrita, ilimitada, dos desejos físicos. Uma vez que não se impunham limites às suas divindades, os gregos julgavam que os deuses eram felizes. Podendo viver com a mesma liberdade que atribuíam aos seus deuses, julgavam-se um povo feliz. A felicidade, para os gregos, relacionava-se com o mundo físico e material.

Porém, ao falar da felicidade, nosso Senhor relacionou-a com a santidade. Esse é o conceito bíblico; o Novo Testamento identifica a felicidade com pureza de caráter. A Palavra de Deus considera o pecado como manancial de miséria; a santidade, como fonte de paz, de satisfação, de contentamento ― tudo quanto incluímos na palavra feliz. Assim, quando o Senhor disse "Bem-aventurados os humildes de espírito", apresentou a primeira característica de santidade, geradora de santidade, e com isso lançou o fundamento de urna vida piedosa, feliz.

O Senhor mostrou o que deve caracterizar o homem que se diz santo, e a bênção que desce de Deus sobre aquele que recebeu o dom divino da justiça mediante a fé em Cristo. Quão significativo é que o Senhor tenha exaltado a própria característica que o mundo despreza, desvaloriza e considera sinal de fraqueza. O mundo não tem condições, jamais, de proporcionar o fundamento de uma vida feliz porque não pode produzir felicidade ― e esta não existe sem santidade.

A palavra "humilde", que nosso Senhor empregou em Mateus 5:3, é uma palavra muito interessante e descritiva. Para entender seu emprego, veja Lucas 16:19-22:

Ora, havia certo homem rico, que se vestia de púrpura e de linho finíssimo, e que todos os dias se regalava esplendidamente. Havia também certo mendigo, chamado Lázaro, coberto de chagas, que jazia à porta daquele; e desejava alimentar-se das migalhas que caíam da mesa do rico; e até os cães vinham lamber-lhe as úlceras. Aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos para o seio de Abraão.

A palavra que nos versículos 20 e 22 é traduzida por "mendigo" é a mesma que em Mateus 5:3 se traduz por "humildes". O mendigo era destituído de tudo, batido pela pobreza, sem recursos de nenhuma espécie. Humilde e mendigo derivam de uma raiz que significa "cobrir" ou "encolher". Era tão humilhante ao indivíduo confessar que nada tinha, e que por isso dependia de outrem, que o próprio ato de mendigar o rebaixava. Por isso é que o mendigo cobria o rosto, encolhia-se, acovardava-se quando estendia a mão para pedir uma esmola. Ele tinha vergonha de ser reconhecido.

Nosso Senhor não escolheu impensadamente esta palavra ao dizer: "Bem-aventurados os mendigos de espírito, bem-aventurados os paupérrimos espirituais, bem-aventurados os espiritualmente destituídos, bem-aventurados os falidos espiritualmente que se encolhem e se humilham por causa de seu total desamparo; porque deles é o reino dos céus." Em se tratando de coisas espirituais, humilde de espírito é o contrário, não da auto-estima, porém do orgulho espiritual. O que nosso Senhor condenou foi a auto-suficiência oriunda do orgulho espiritual.

O Novo Testamento relata que os fariseus eram intensamente orgulhosos, pois se consideravam justos; como justos, de nada necessitavam. Ouviram o Senhor Jesus oferecer a verdadeira justiça que vem de Deus, e repeliram-na. Esta palavra dirige-se a eles e aos seus seguidores. A pessoa que se caracteriza por orgulho espiritual não receberá de Deus coisa alguma; a bênção de Deus não pode descer sobre ela, porque o orgulho não serve de alicerce para a justiça. O orgulho espiritual não é demonstração de santidade mas de pecaminosidade; jamais pode produzir felicidade. "Bem-aventurados os paupérrimos espirituais, porque deles é o reino dos céus."

Humilde de espírito é aquele de quem foi retirada a base da auto-suficiência; é aquele cujo coração está ajoelhado. Tal pessoa caracteriza-se por uma atitude de total dependência. Neste caso, como em todas as Bem-aventuranças, o Senhor não instituiu um novo conceito. Pelo contrário, ele voltou-se para o Antigo Testamento, especialmente para os salmos, e reuniu o que a Escritura já havia ensinado com tanta clareza, de sorte que, valendo-se da Palavra de Deus, pudesse descrever a justiça e a santidade, oferecendo a base de uma vida abençoada, feliz.

O salmista escreveu: "Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito não o desprezarás, ó Deus" (Salmo 51:17). E no Salmo 34:18: "Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado, e salva os de espírito oprimido." Referindo-se ao coração quebrantado e contrito, o salmista não pretendia dizer um coração esmagado pelas privações, mas o coração que chegou ao fim de si mesmo, que não vê socorro algum em suas próprias forças, e clama a Deus por livramento.

Ao pronunciar: "Bem-aventurados os humildes de espírito", o Senhor dizia aos seus ouvintes, antes de tudo, como ter acesso a ele. Lucas 18:9-14 ilustra-o de modo muito vivido:

Propôs também esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos por se considerarem justos, e desprezavam os outros: Dois homem subiram ao templo com o propósito de orar: um fariseu e o outro publicano. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta, será humilhado; mas o que se humilha, será exaltado.

Numa lição tão expressiva, o Senhor apresentou a verdade que havia demonstrado ao dizer: "Bem-aventurado os humildes de espírito." O fariseu desta parábola pôs-se em pé, num lugar público, para recomendar-se a Deus por seus méritos: "Não sou como os demais homens, roubadores, injustos, adúlteros, nem ainda como este publicano." Controlado pelo orgulho, ele se recomendava a Deus, exigindo que Deus o aceitasse e ouvisse sua petição pelo que ele, fariseu, era. A seguir recomendou-se a Deus por aquilo que ele havia feito: "Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto possuo." Esperava que Deus o abençoasse pelo que ele havia feito para Deus. Que exemplo de quem não possui humildade de espírito!

Por outro lado, havia um pecador confesso, encolhido, que clamava: "Ó Deus, sê propício a mim, pecador!" "Deus, olha para mim como olhas para o propiciatório borrifado do sangue expiador." Este nada tinha que reivindicar para sua pessoa nem para sua justiça. Em sua pobreza e desamparo espiritual ele lançou-se inteiramente à graça e à misericórdia de Deus. Aí estava um homem humilde de espírito, e nosso Senhor disse: "Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta, será humilhado; mas o que se humilha [que é humilde de espírito], será exaltado" (18:14).

O único caminho que o homem tem de acesso a Deus é ir ao Criador e confessar sua injustiça, sua incapacidade de satisfazer aos padrões e às exigências do Altíssimo; e, pela fé, reivindicar o sangue de Cristo que lhe cobre os pecados. Tal pessoa ― humilde de espírito ― é feliz porque abençoada por Deus.

Todavia, nosso Senhor não mostrou apenas o caminho de acesso a ele e ao seu reino, mas também o que caracteriza aquele que, em humildade de espírito, clama pela salvação de Deus. Sua vida, como filho de Deus, será marcada, momento após momento, por aquela mesma dependência completa de Deus.

Em Filipenses 3:3, Paulo revelou esta humildade de espírito ao escrever: "Porque nós... não confiamos na carne." E em Romanos 8:4-5: "A fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito. Porque os que se inclinam para a carne cogitam das coisas da carne; mas os que se inclinam para o Espírito, das coisas do Espírito." A pessoa que, segundo a carne, procura agradar a Deus, alega ter condições de fazê-lo. Em estado de orgulho procura agradar a Deus.

A única pessoa que agrada a Deus na vida diária é aquela que diz: "Ó Deus, não posso fazê-lo porque a carne é corrupta; mas confio total e completamente no poder sustentador do Espírito Santo em viver a vida de Cristo por meu intermédio."

Ao saltar do barco para ir ao encontro do Senhor, andando sobre as águas, Pedro começou a afundar; então clamou: "Senhor, socorre-me." Ele foi humilde de espírito. Quando Maria e Marta, dominadas pela tristeza com a morte de seu irmão Lázaro, enviaram um recado a Jesus para que viesse e às ajudasse, elas se revelaram mendigas de espírito. Ao reconhecer seu próprio desamparo e lançar-se confiante à graça de Deus e ao seu Espírito, a pessoa está renunciando ao orgulho espiritual e revelando a humildade de espírito que possibilita a Deus derramar bênçãos e mais bênçãos sobre sua vida.

Que temos nós para oferecer a Deus? Nada. Que tem Deus para dar-nos? Tudo. O que faz que as riquezas de Deus sejam nossas? Um pedido de socorro, um grito de dependência, uma confissão de nosso desamparo. "Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus."

Extraído do livro Sermão da Montanha do Dr. Dwight Pentecost

Pastor Carlos Augusto Lopes
Teólogo

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