quinta-feira, 8 de novembro de 2007

UM OLHAR DE COMPAIXÃO PARA OS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS: PROPOSTAS E CAMINHOS PARA UMA PASTORAL DE CUIDADO.

Nosso trabalho sobre o cuidado pastoral para os portadores de necessidades especiais é de suma importância para a igreja que há séculos vem esquecendo essa verdade pulsante.

Como igreja brasileira precisamos abrir os nossos olhos para os excluídos da sociedade de consumo pós-moderna e esse abrir os olhos passa pelo caminho da compaixao e da inclusao como também um caminho para uma pastoral da dor em meio os dramas da vida.

Nossa proposiçao tem como foco uma proposta justa para essa lacuna em muitas igrejas sejam elas históricas ou pentecostais. Iniciaremos nosso trabalho mostrando o ostracismo de uma pastoral para os portadores de necessidades especiais no complexo de uma eclesiologia contemporânea.

Em seguida trabalharemos com dois personagens que ao longo dos seus ministérios desenvolveram uma pastoral de compaixao que serve de modelo para repensarmos a nossa caminhada. Olharemos para Henry Nouwen e seu despojamento em busca da compreensao do outro e esse outro sao pessoas deficientes que precisam ser amadas na doce e amarga caminhada da vida.

Depois olharemos para Camilo de Lelles que viveu no século XVI no ardor da reforma protestante e do Concílio de Trento. Longe das questoes teológicas que marcaram aquele período Camilo de Lelles seguiu uma estrada nova em sua época entregou a sua vida a cuidar de doentes, pessoas excluídas, mal amadas, abandonadas e rejeitadas pela sociedade. Em seu despojamento Camilo deixou um exemplo da práxis de uma pastoral de cuidado em meio ao caos.

Em seguida estaremos focando nossa visao de maneira sintética na pessoa de Jesus Cristo e os portadores de necessidades especiais como um caminho para uma pastoral marcada pela paixao e pelo cuidado.

Encerraremos com uma proposta de cuidado pastoral através da análise de Ana Paula Costa, pedagoga crista que trabalha com deficientes mentais na Apae de Santa Catarina.

Como em todas as épocas os portadores de necessidades especiais lutam com o gigante Isbi Benobe do preconceito, da falta de respeito, dos maus tratos, da falta de um programaçao justa que inclui a todos dando espaço para todos no vasto mundo humano.

Nossa argumentaçao em mostrar alguns pontos esquecidos pela ala evangélica nao é colocar o dedo na ferida dos eclesianos mais trazer a tona um erro histórico que precisa ser corrigido pela igreja de Cristo na luz do Evangelho e da contextualizaçao.

Geralmente o máximo que as igrejas cristas fazem é uma pista para os cadeirantes ter acesso ao templo, culto para os surdos, bíblias em braile para os cegos etc. Tudo isso é importante mais falta de fato um programa pastoral para essas pessoas que como Adam sao amados por Deus e nao podem ser esquecidos pela igreja.

É verdade que muitas igrejas tem levado esse programa a sério mais a realidade mostra o quanto estamos omissos no que tange essa temática. Que Deus nos ajude nesta tarefa de glorificar o seu nome entre os necessitados e portadores de deficiencia especiais.

Há algum tempo através eu e minha esposa fiquemos profundamente impressionados com a palestra do Professor Stevem Dubner um dos melhores palestrantes do Brasil que trabalhou o tema “Nao sabendo que era impossível ele foi lá e fez”.

O auditório da Universidade ficou perplexo em ver em Stevem um profundo amor pelos deficientes físicos como também sua proposta apaixonante por cada um deles. Seu foco sua missao seu dinamismo e sua visao impressionou a todos que estavam naquela noite na Universidade do Sul de Santa Catarina.

Steven Dubner ministra em empresas, escolas, universidades etc. e sua palestra é considerada entre os maiores empresários brasileiros e associaçoes de RH como uma das 10 melhores palestras em todo o Brasil. Com uma experiencia de mais de 25 anos com o esporte adaptado ele foca a grande importância da inclusao e da habilidade dos deficientes físicos.

Steven mostra que podemos através do incentivo e de uma visao clara transformar frustraçoes, decepçoes desafios oriundo de um preconceito numa sociedade niilista, narcisista, capitalista e excludente principalmente com os necessitados e portadores de deficiencia especiais em oportunidades para formar atletas que vencem tanto no campo do esporte adaptado como no campo da vida. Stevem deixa claro sua paixao em realizar seu trabalho com os deficientes físicos.
Ele já palestrou mais de mil vezes em todo o Brasil e fora do Brasil e o que impressiona em sua obstinaçao é que suas palestras de consciencia, alerta, motivaçao e realismo nao é um exibicionismo nem um estrelado. Toda a verba arrecada com o brilhantismo de suas palestras sao revertidas para a compra de cadeiras de rodas e para a Associaçao Desportiva para Deficientes.

Como pastor fiquei pensando que esse deve ser o papel da igreja que é sal e luz para o mundo. Ela mais do que ninguém deve ter um acento permanente na causa dessas pessoas criadas a imagem de Deus. Fico refletindo aonde esta a igreja diante dos gritos dos excluídos que precisam urgentemente de esperança messiânica de ouvir as boas novas do evangelho.

Nossa pastoral em tom eclesiano nao tem olhado para o realismo dos necessitados e portadores de deficiencia especiais. A igreja brasileira caminha em passos lentos para esse ministério de compaixao e justiça. Os pastores, seminaristas etc ainda vivem num ostracismo de uma pastoral de cuidado integral para com esse tipo de verdade ontológica.

A igreja tem se preocupado com tantas coisas e as vezes nao consegue se desvencilhar de sua aridez teológica, seu clericalismo, seu denominacionalismo suas estratégica de programas que sao voltados para “dentro” numa manutençao doentia de segurar a membresia alimentando o status quo eclesiástico.

As muitas programaçoes eclesiásticas os frenesis cristaos voltados para o céu, para o meu bem querer e para as necessidades humanas tem desfocado a igreja de olhar para o mundo e perceber que ao redor dela existe uma grande multidao de pessoas vivendo em estado de sofrimento, miséria física-emocional, social-espiritual e que essas pessoas precisam urgentemente ouvir o Evangelho de Cristo.

Grande é o número dos necessitados e portadores de deficiencia especiais que estao clamando “ passe a Macedônia e nos ajude”, se formos obedientes como o apóstolo Paulo que diante deste fato foi em busca dos necessitados abandonando todo o seu projeto inicial ou persistencia racionalista iremos também nos deparar com o amor de Deus sendo derramado para essa gente como foi derramado em Filipos nos primórdios da igreja em Atos dos apóstolos no capítulo dezesseis.

É claro que diante de um fato novo e urgente as barreiras se levantam, as lutas e perseguiçoes se agigantaram mais como Paulo e sua equipe devemos ser fiel ao chamado e a vocaçao para uma pastoral de cuidado.

Jesus Cristo modelo para todo ministério pastoral e também para a pastoral eclesiológica que nao inclui somente os ordenados mais todo o povo de Deus “ laos Dei” e isso é salutar pensarmos assim pois é sem dúvida o redescobrimento reformado do sacerdócio de todos os crentes que nao visa somente o clero mais todo o povo no entroncamento da vida e do dia a dia da ontologia humana ele o filho de Deus se deparou e se encontrou com deficientes físicos, deficientes visuais, deficientes auditivos etc. e nao ficou indiferente aos seu dramas mais num olhar de compaixao estendeu a mao em forma de cuidado e amor.

Jesus Cristo é um protótipo de amar aqueles que pouco sao amados, de incluir aqueles que sao excluídos, de dar esperança aqueles que em virtude de seu problema perderam a esperança a utopia e o sonho. No caminho da cruz de Cristo surge uma proposta urgente para a igreja no que tange o cuidado pastoral para os necessitados e portadores de deficiencia especiais que é a imitaçao de Cristo como diz Tomás de Kempis “ Sao as palavras de Cristo que nos exortam a imitarmos sua vida e costumes, se verdadeiramente quisermos ser iluminados e livres de toda a cegueira de coraçao ”.

É no tecido do ministério de Jesus Cristo que brota a verdadeira cristologia que nao é somente uma verbalizaçao academicista mais um pélago encarnacional, relacional de uma práxis de compaixao e exemplo integral. A igreja de Cristo deve compreender a sua responsabilidade neste aspecto aqui mencionado.

Ela nao deve fugir da sua responsabilidade espiritual de anunciar o evangelho todo para todas as pessoas em todo o tempo e em todo lugar como sinaliza o pacto de Lausanne. A igreja de Cristo nao deve jamais se esconder no manto do descaso social como fez Jonas que diante do desafio de ir para Nínive preferiu ir para Társis longe da vontade de Deus ( Jn. 1. 1-3)

A tarcirizaçao da igreja que é a indiferença com o mandamento de Deus e sua missao é pecado diante do Altíssimo. A igreja é voz profética e deve em nome de Deus denunciar toda a injustiça, todo o descaso social, todo o patrulhamento preconceituoso contra os necessitados e portadores de deficiencia especiais ( Prov.31.8-9)

O teólogo anglicano Dr. John Stott em seu livro Mentalidade Crista: Posicionamento do Cristao em uma Sociedade nao Crista, aponta para o dever integral da igreja diante do mundo. Stott diz que o laissez-faire da igreja que é justamente a apatia e a indiferença é um grande erro eclesiológico que traz conseqüencia.

Como igreja nao podemos ficar indiferente com a situaçao de injustiça, descaso social etc em todas as formas que deforma. Na verdade estamos diante de uma situaçao que precisamos abraçar em nome de Deus que é uma pastoral de cuidado para com os necessitados e portadores de deficiencia especiais.

E esse cuidado nao é uma fuga para Tarsis mais um ir para Nínive em busca do fraco, do perdido, da ovelha ferida que nao consegue discernir entre a mao direita e a mao esquerda no jogo dúbio da vida

Segundo o Unicef, uma em cada 10 crianças é portadora de necessidades especiais e 190 milhoes de crianças no mundo estao nessa situaçao, das quais cerca de 150 milhoes nos países nao-desenvolvidos.

A Organizaçao Mundial de Saúde estima que no Brasil existam 15 milhoes de portadores de necessidades especiais, dos quais cerca de 7 milhoes com deficiencia mental, 3 milhoes com deficiencia física, um milhao e meio com múltiplas deficiencias, 750 mil com deficiencia visual e cerca de 2 milhoes com deficiencia de audiçao. Outras fontes dizem que esse número já chegou a casa dos 25 milhoes de pessoas.

Os necessitados e portadores de deficiencias especiais vivem um drama diário juntamente com suas famílias. O poder público nao tem uma resposta satisfatória quanto a essa realidade. Esse realismo é presente já no inicio da vida, pois muitas creches nao tem condiçoes para receberam essas crianças. Assim como dizem os estudiosos no assunto muitos pais tem que renunciar o seu trabalho principalmente a mae para poder cuidar do filho que é portador de deficiencia.

Este fato percorre por toda a vida, pois a integraçao a inclusao o afeto ainda é uma realidade tardia, labutante nas fazes adultas. Outro ponto desfavorável é justamente á oportunidade de trabalho para essa fatia grande na sociedade que é esquecida.

É certo que várias medidas a nível político já foi tomada, todavia a práxis da inclusao trabalhista é barrada pelo mercado narcisista que coloca esse tipo de pessoas nao por causa do amor e do afeto mais por causa de um decreto de lei que obriga esta açao.

Estamos longe de ver uma sociedade que inclui através do amor e do olhar de compaixao. Esse papel sem dúvida deve ser da igreja que é por assim dizer a comunidade do amor, do perdao, da reconciliaçao, do afeto, do abrigo.

A igreja de Cristo nao pode ficar no ostracismo dessa realidade mais em nome de Deus deve fazer um programa que atinge essas pessoas como também ser participadora de órgaos que á anos vem lutando esta causa justa. Ela deve ser humilde em aprender o caminho técnico do desdobramento desse realismo e como trabalhar isso no patamar da interdiciplinidade como ajuste e encontro de ramos da ciencia em prol do sofrido.

Muitos profissionais estao em nossos bancos de igreja em virtude de um conceito errado de vocaçao eles estao no corpo de Cristo inativos enquanto poderiam ser capacitados- para essa sublime tarefa, pois temos pedagogos, médicos, professores, psicólogos, assistentes sociais etc. que poderiam servir a igreja e consequentemente o mundo nas suas formas mais complexas.
Como igreja achamos que vocaçao é algo no campo dos “ordenados” dos treinados no campo da teologia. Esse engano histórico deve ser removido das fileiras do evangelho, pois vocaçao nao está vinculada somente no brasao da ordenança mais cada profissao é uma vocaçao que deve ser servida no reino de Deus para o louvor da sua glória.

Um projeto de cuidado pastoral para os necessitados e portadores de deficiencia especiais passa por esse romper barreiras e fronteiras dentro da própria estrutura eclesiástica e pastoral. Se queremos contribuir para essa fatia crescente em nossa naçao devemos ter um olhar de compaixao para com essas pessoas e seu mundo imediato que envolve família, renda, sonhos, dedicaçao etc.

A igreja deve ser humilde em reconhecer a sua omissao tanto em projeto da igreja local como em sua voz profética junto aos órgaos públicos e na conscientizaçao humanizadora de seus membros quanto a essa questao. Jesus Cristo deixou exemplo para a igreja seguir e esse exemplo deve ser teologizado, encarnado, vivido para gloria de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.

Pensando assim iremos juntos romper o ostracismo de uma pastoral para os necessitados e portadores de deficiencia especiais no complexo mundo da eclesiologia contemporânea. Sabemos que a tarefa é árdua mais prazerosa, pois sabendo que era impossível ele foi lá e fez nós como cristao determinados a ajudar esse enorme grupo de 25 milhoes de necessitados e portadores de deficiencia servimos o Deus do impossível que pela sua graça já fez um programa especial para esses seu filhos queridos.

Agora cabe a nós redescobrir as velhas e sempre novas palavras de Jesus Cristo “ assim como o pai me enviou eu envio a vós” entao “ide por todo mundo e pregai o evangelho para toda a criatura” e sem dúvida aqui se coloca com sublimidade os portadores de deficiencia especiais.
A igreja contemporânea e o seu complexo eclesiástico devem revisitar as frases do general

William Booth fundador do Exército de Salvaçao que expressou dizendo:
“ Enquanto mulheres chorarem, como choram agora, Eu lutarei; Enquanto criancinhas passarem fome, como passam agora, Eu lutarei; Enquanto homens passarem pelas prisoes, entrando e saindo, entrando e saindo, Eu lutarei; Enquanto houver uma moça vagando perdida pelas ruas, Enquanto restar uma alma que esteja nas trevas sem a luz de Deus, Eu lutarei; até o fim, Eu lutarei”.

O Pacto de Lausanne maior evento contemporâneo da cristandade evangélica que ocorreu em 1974 na Suíça e que foi representado por mais de 150 naçoes em seu artigo V “ A responsabilidade Social Crista”, deixa claro que o ostracismo eclesiástico diante das camadas desfavorecidas da sociedade é um grave erro cristao.

Lausanne salientou que o ser humano foi feito a imagem de Deus e toda pessoa independente de raça, religiao, cor cultura, camada social, sexo ou idade possui uma dignidade intrínseca razao pela qual deve ser respeitada e servida e jamais explorada.

O evangelho e a açao social nao sao incompatível excludente como sublinha o Pacto “ embora a reconciliaçao do homem com o homem nao signifique a reconciliaçao deste com Deus, nem a açao social evangelizaçao, e nem emancipaçao política salvaçao, contudo afirmamos que a evangelizaçao e o envolvimento sócio-político sao ambos parcelas do nosso dever cristao”.
Sem dúvida nosso dever como igreja é rever em primeiro lugar nosso propósito, nossa identidade, nossa missao.

Nao podemos ter um evangelho voltado para dentro “ centrípeto” , mais um evangelho voltado para fora “ centrífugo”, que enxerga o caído, o desfavorecido, o ferido, o excluído que espera em nós os eclesianos uma pastoral de cuidado e amor.

O estudo continua na parte dois

Pastor Carlos Augusto Lopes
Teólogo

Nenhum comentário: